quarta-feira, 11 de julho de 2007

Livro conta um pouco dos rígidos costumes ingleses dos anos 70

Um Experimento Amoroso*
Carolina Matos

As famosas peripécias sexuais, os rompimentos com rígidas normas sociais e o ceticismo em relação às tradições religiosas foram alguns fatos que marcaram os anos 70 no Ocidente. Um período conturbado e rico que já foi dissecado em inúmeras peças de teatro, programas de TV, obras literárias e teses acadêmicas. A Inglaterra, por exemplo, parece somar a obsessão de olhar para o próprio umbigo com a reavaliação quase nostálgica destes anos que antecederam o Thatcherismo. Nos anos 90, os lemas são a moda neo-hippie, o partido do primeiro-ministro Tony Blair tentando criar o “novo” sobre o “velho” trabalhismo e produções de TV revendo a época da boca-de-sino, em programas como The Buddha of Suburbia (“O Buda dos Surbúbios”, BBC2,1993), adaptação do romance premiado de Hanif Kureishi, que também escreveu My Beautiful Laundrette (Minha Adorável Lavanderia,1985), dirigido por Stephen Frears. Traduzido para o Português pela Editora Record, o livro Um Experimento Amoroso (238 páginas), sétimo da escritora inglesa Hilary Mantel, usa os anos 70 como pano de fundo para contar a história de Carmel McBain, uma garota de classe média baixa do norte da Inglaterra que consegue vencer barreiras sociais e conquistar uma vaga na Universidade de Londres.
Ganhadora de vários prêmios na Inglaterra, entre eles o Shiva Naipaul Memorial Prize (1987), Hilary Mantel mantém o estilo cético e irônico dos seus livros anteriores, Oito meses na rua Gaza e Mudança de Clima, e os seus temas prediletos, como a perda da fé, as angústias terreais e o olhar feminino predominante e peculiar. O seu quase sarcasmo e deboche são retomados em Um Experimento Amoroso, um livro com traços autobiográficos que centraliza a ação em relatos psicológicos que hesitam entre três passados da personagem principal, Carmel McBain: a sua tediosa infância no primário numa cidadezinha industrial do norte; a batalha para obter uma bolsa e ingressar num rígido e antiquado colégio de freiras, e os seu esforços para se destacar como advogada- -rumo-a primeira-ministra na Universidade de Londres no final dos anos 60.
Os clichês desta época áurea estão todos lá, embora vestidos com uma outra roupagem: o conhecimento entre as mulheres universitárias do preço de um aborto, os ataques às “Sofias” – hoje leia-se “Patricinhas”- que queriam casar com os “Rogers”(os “Mauricinhos”) depois de formadas, e as regras rígidas da etiqueta inglesa, como as que obrigavam as meninas a não serem gulosas. Carmel acaba sucumbindo à imposição dos costumes ingleses e mergulha na anorexia, levando-a no final à tragédia. As conseqüências são uma justaposição da perda da fé à um ceticismo intelectual que não a leva para Downing Street, mas para uma casa de família.
Boa nas frases de efeito e nas descrições dos conflitos pessoais de Carmel, Mantel peca por ter uma visão demasiadamente “inglesa” do mundo e de seus personagens, o que dificulta uma narrativa mais envolvente para um leitor não-inglês. Filha de pais nascidos na Irlanda, a rígida mãe de Carmel parece resumir o estilo literário da própria autora quando diz que ela parece uma “inglesinha” de tão fria que é. Mantel nos oferece sempre uma visão um tanto superficial e distante dos seus personagens, principalmente das outras duas garotas que foram criadas com Carmel na sua cidade natal e também conseguem uma bolsa em Londres, Karina e Julianne. A primeira é descrita como sendo filha de pais imigrantes – cuja nacionalidade seria “russa”, mas nunca se sabe ao certo. Karina é o objeto do desprezo de Carmel, que prefere a companhia da esnobe Julianne, uma menina de classe média alta que a “cada dia acorda em uma cama diferente.”
Apesar de ter a intenção de desvendar as conservadoras barreiras que separam as classes sociais inglesas e tolhem a ambição feminina, Mantel se recusa a ter uma visão crítica da famosa repugnância de muitos membros da classe trabalhadora inglesa por imigrantes, e ainda o desejo de ascensão social de muitos na associação com elementos da burguesia, coisa que o ator John Cleese explorou bem no célebre seriado inglês Fawlty Towers (BBC1,1969). Em O Experimento…, a autora parece optar pelo caminho simplista das rivalidades pessoais, o que faz o ódio de Carmel por Karina ser reduzido a justificativas pouco consistentes, como o fato da menina “comer gordura” e ter pais que não falam inglês direito. A autora acaba reforçando os clichês das quais ela mesma parece querer combater. O seu livro anterior, o thriller policial Oito meses na rua Gaza(1988), também inovou muito pouco na visão que o mundo tem do Oriente Médio, alimentando os batidos estereótipos de uma sociedade feudal mergulhada em um islamismo fanático, ignorando a interação complexa e confusa de um modernismo que cresce com furor ao lado do tradicionalismo conhecido.
Em tempos de pós-feminismo, a autora parece esquecer ainda a relevância de problematizar o universo masculino, mesmo se for a título de botá-lo em xeque com o feminino de inspiração feminista. Os homens em O Experimento Amoroso ou são os “Rogers” que circulam clandestinamente pelos quartos das moças no dormitório da universidade ou são os machistas e pedantes esquerdistas do Partido Trabalhista, que não dão a palavra para as mulheres companheiras. Apenas o namorado de Carmel é individualizado, embora receba o mesmo tratamento superficial dispensado às outras meninas. Desta forma, O Experimento Amoroso enquadra-se entre a boa e precisa descrição dos conservadores costumes ingleses e dos conflitos de uma adolescente em amadurecimento, mas perde o impacto das críticas e desestimula o envolvimento do leitor por suas dificuldades em transpor as fronteiras nacionais e explorar mais os personagens devidamente interagidos com o meio social e os famosos anos 70!

* Crítica publicada no caderno Idéias do Jornal do Brasil, no dia 27 de novembro de 1999.

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