Carolina Matos*
O poeta romântico inglês John Keats (1795-1821) já dizia que o belo é um prazer eterno. É difícil cansar a vista com as graciosas dunas à beira da praia, o sussurar do vento e o brilho das lagoas de águas cristalinas no vilarejo de Jericoacoara, a 300 quilômetros de Fortaleza (CE). Há quem diga que as belezas naturais de Jeri são obra divina, ou que lembram ainda cenas de filmes, como o célebre A Ostra e o Vento (1998) de Walter Lima Jr., que explorou a sensibilidade do contato de uma criança com a natureza através da menina Marcela. Não é à toa que a atriz americana Natalia Cigliutti, 21 anos, diz ter visto tanta beleza apenas em movies. “Estou abismada. Achava que lugares assim só existiam em filmes”, revela boquiaberta a morena de pele clara, enquanto admira a imensidão das dunas e o vaivém das ondas em cima de um buggy a caminho de Jeri.
Mas Jericoacoara não é filme hollywoodiano nem cinema nacional. O contemplativo pôr-do-sol na duna grande, a deslumbrante Lagoa Paraíso e o astral relaxado e espiritual do vilarejo são tão reais quanto aquela velha figura literária do humilde pescador que parou no tempo e no espaço. A fusão destas realidades peculiares talvez tenha contribuído para Jericoacoara ganhar o título de uma das dez praias mais belas do mundo, de acordo com uma pesquisa do jornal americano The Washington Post.
O visual caribenho de Jericoacoara parece ter provocado uma febre entre os viajantes de carteirinha. Já deram as caras por lá gente famosa, como a apresentadora Xuxa, a atriz Debora Bloch e o presidenciável Ciro Gomes (PPS). O local também virou meca para publicitários filmarem comerciais. Felizmente para o turista politicamente correto, todo esse frisson ainda não foi capaz de tirar a magia de Jericoacoara, que mantém o seu espírito aventureiro e a sua característica de pequeno vilarejo que resiste ao progresso predatório. Área de Preservação Ambiental (APA) desde 1984, Jericoacoara deve a sua conservação ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que impõe restrições para a construção de pousadas e hotéis e impede a circulação de buggys em várias dunas.
Chegada _ Não é demais dizer que Jericoacoara já vale a visita só pela aventura de se chegar até o paraíso. Cantinhos do céu não costumam ser de fácil acesso, e com Jeri a situação não é diferente. Desde novembro do ano passado, no entanto, o vôo diário de Fortaleza a Camocim realizado pela operadora Correta Turismo já facilitou bastante a ida a Jericoacoara. Do avião, o turista já consegue captar as belezas naturais do litoral cearense. É possível observar as dunas e as suas variadas cores – ora rosadas, ora brancas - sentado à esquerda do pequeno Bandeirante bimotor com capacidade para 14 pessoas.
Depois de uma viagem de aproximadamente 50 minutos a bordo do Bandeirante, o turista inicia a aventura pegando um buggy ou um jipe 4x4 com o bugueiro, guia e ex-engenheiro João Sarmento para fazer o translado a Jeri, que dura quase duas horas. É bom admirar as riquezas deste trecho. O percurso inclui atravessar de balsa ou barco lagoas para se chegar à Ilha do Amor e a Tatajuba, e ainda percorrer o litoral a bordo de um buggy, que passa pulando por cima de enormes dunas. É difícil não conter a alegria a cada salto de montanha-russa do buggy, além dos “ahs” de admiração na passagem pelas praias desertas e selvagens. Antes do vôo para Camocim, o caminho para Jericoacoara era bem mais penoso. Um ônibus saia de Fortaleza com destino a Gijoca e só chegava lá depois de seis horas. Depois, um buggy completava o percurso até Jeri.
Pôr-do-sol _ Uma das principais atrações de Jericoacoara é o pôr-do-sol na gigantesca duna logo na entrada do vilarejo. É programa obrigatório de moradores e turistas irem ver o pôr-do-sol todo fim de tarde. As peripécias em cima da duna competem com a beleza da vista para a imensa e calma praia lá em baixo. Há atrações para todos os gostos: desde surfistas de areia até a capoeiristas ou jovens atletas dando cambalhotas no ar durante a descida da duna. A lentidão das ondas, o cantarolar dos grilos e o assobio da brisa - o vento forte mesmo bate de julho a dezembro – completam o cenário paradisíaco de Jeri. Formam um cardápio ideal para quem quer encontrar um refúgio para lavar a alma.
Outra atração cartão-postal é a Pedra da Furada, um arco esculpido pela ação das ondas e que fica situada na região rochosa de Jericoacoara, depois da praia da Malhada. Esta última praia de ondas curtas é procurada para a prática de windsurf no período de julho a setembro, quando windsurfistas de todo o mundo juntam-se para participar da seleção para o Campeonato Mundial. A praia da Malhada é o local preferido dos banhistas, assim como as águas cristalinas das lagoas Paraíso, Azul e Caiçaras, que oferecem uma visibilidade de cerca de 10 metros. Vale passar um dia percorrendo as lagoas, passando pela estonteante Lagoa do Paraíso ao sul de Jeri, que tem 15 quilômetros de extensão e é cercada por pequenas dunas. Mais adiante, o turista chega na Praia do Preá, limite leste da APA e principal referência para a pesca do peixe característico da região, o pargo.
Lagoas _ A caminhada até a Pedra Furada é de tirar o fôlego: passa-se por cavernas, pedras em formato de bichos, como a do jacaré na Praia da Repartição, e por piscinas naturais, como a da Princesa. Lendas populares afirmam que o banho na piscina da Princesa, de 1.70 metros de profundidade, dois de altura e cerca de 1.20 de largura, rejuvenesce as mulheres em cinco anos. A noite de Jeri também não deixa a desejar. Com um ar de cidade de veraneio, o turista pode desfrutar de bons restaurantes e bares em meio a danças de forró no Mama da Égua. Pode-se ainda balançar o esqueleto ao som de reggae e rock no Mama Áfrika, ou ainda comer um crepe acompanhado de uma cerveja no Naturalmente, restaurante de frente da praia. O Barraco do Alexandre, que já pertenceu ao apresentador de TV Olivier Anquier, oferece frutos do mar, o carro-chefe da culinária local. A parada final e obrigatória é a padaria do Seu Antônio, que abre no inusitado horário das 2 horas da manhã para vender pão quente e café para curar aquela ressaca. Em Jeri, é bom abrir bem os olhos para aproveitar a sua beleza eterna.
Com pesca fraca, capoeira e folclore movimentam Jeri
Amarildo Marques Vasconcellos, 27 anos, deu a sua primeira cambalhota de costas na Duna do Pôr-do-Sol aos 12 anos de idade. Desde então, o filho do lendário Seu Antônio da padaria não faz outra coisa todo fim de tarde. Já virou inclusive atração turística da cidade. Amarildo das Dunas, como prefere ser chamado, também dá aulas de capoeira para a garotada de Jeri e elabora performances artísticas com o peruano Tuto Merello, 45 anos, numa curiosa fusão de ingredientes afro-brasileiros com ritmos indígenas. “Não quero praticar capoeira só para turista ver. Estamos estimulando nas crianças o senso de preservação ambiental e ensinando a cultura da capoeira”, insiste Amarildo.
Assim como Amarildo, há vários moradores em Jeri lançando mão da criatividade para construir um significativo espaço cultural no vilarejo em oposição à tradicional cultura da pesca A dona do restaurante Mama na Égua, a gaúcha Cecília Souza Steiner, não se limita a especialidades como o peixe a pargo. O Mama na Égua sedia noites de típico forró nordestino nos fins de semana e também matinés e concursos para as crianças aos domingos.
O artista plástico e dono do bar Doidos Atelier César Pitombeira, 40 anos, é outra figura folclórica de Jeri. Morador da praia da Malhada, a sua “décima praia”, Pitombeira garante que dali só sai para ir para o cemitério ao lado. Enquanto isso, acorda às 5h30 da manhã para trabalhar nos seus quadros abstracionistas, que já foram expostos em Nova Iorque, Itália, França e Alemanha. Outras figuras curiosas de Jeri são a doceira Dona Angelita, 54 anos, que vende doces e cocadas a R$ 1 pela vila vestida com um enorme chapéu amarelo, e o pescador Chico Onório, 70 anos. Acostumado a acordar às 2 horas da manhã para ir pescar, Chico já teve sete mulheres e é pai de 32 filhos. Ele garante que “comparece” toda noite e aponta o caldo do peixe “boca roxa” como o responsável por tanta vitalidade.
Pesca em extinção _ De memória falha e fala mansa, dona Rita José Ferreira, 77 anos, costura calmamente a rede de pesca junto com a amiga Maria Martins de Oliveira, 45 anos, seguindo uma tradição da avó e da mãe, mulheres de pescadores. Nascida e criada em Jericoacoara, dona Rita é neta de um dos primeiros moradores do vilarejo. Quando este chegou em Jeri ainda no século XIX, havia no máximo seis casas. Hoje, Jericoacoara possui aproximadamente 1,500 habitantes e cerca de 60 pousadas. Até 1985, era uma pequena aldeia de pescadores, perdida entre dunas imensas e isolada do mundo. Hoje, Jeri é um dos principais points turísticos do país. Dona Rita é nostálgica e reclama que a pesca e as redes não têm mais tanta importância. “A rede perdeu o valor”, diz, quase em cochichos.
O boom turístico em Jericoacoara começou há dois anos e meio depois da chegada da luz elétrica. Antes, os moradores viviam com lampiões ou velhas dentro de garrafas de plástico para o vento não apagar. No entanto, há pescadores que comemoram os vestígios de progresso em Jeri, como é o caso do pescador Antônio de Oliveira, 50 anos. “Estou me sentindo mais valorizado. Consigo melhores preços e os restaurantes compram”, garante Antônio.
Origens do nome - Embora modesta, Jericoacoara também teve a sua participação na história do Descobrimento do Brasil. Em direção ao noroeste do país, o navegador espanhol Vicente Yañez Pinzón, nascido em Palos em 1460 e integrante da frota que descobriu a América sob o comando de Cristóvão Colombo, descreveu Jericoacoara em 1492 como um “rosto formoso”. O governador geral do Brasil, Gaspar de Sousa, organizou a expedição chamada “Jornada do Maranhão” com o objetivo de combater a invasão dos franceses. Jerônimo de Albuquerque, encarregado da expedição, fundou ao pé do serrote de Jericoacoara o forte Nossa Senhora do Rosário.
Segundo o historiador Pompeu Sobrinho, foi só no começo do século XVII que o nome da vila foi registrado, mas provavelmente já existia no século XVI. A grafia de Jericoacoara também intrigou vários viajantes no século XVII. Seria Jericoacoara, Jeriquaquara ou Jaracoara? Em 1615, o capitão-mor Alexandre Moura, da “Jornada do Maranhão”, fez referência a “Gericoacoara” em seu roteiro enquanto Gaspar de Sousa preferiu escrever “Jaracoara”.
Há três versões para a origem do nome “Jericoacoara”. A origem tupi-guarani, interpretada por Teodoro Sampaio, diz que o nome é proveniente de “ yurucua” (tartaruga) e “cuara” (buraco), ou seja, “buraco das tartarugas”, uma alusão a presença de tartarugas nas águas da enseada de Jericoacoara na época da desova. Alguns pescadores já asseguram que o nome vem do formato do “serrote” (pequena serra ao lado da vila, onde está situado o farol de Jeri), que visto do alto mar assemelha-se a um jacaré deitado, ou “cuarando” ao sol (expressão local). Por muito tempo, Jeri era chamado só de Serrote, depois passou a ser Jericoacoara em decorrência do advento do turismo.
Onde Comer
Naturalmente – As especialidades deste simpático restaurante na enseada de Jeri são os crepes salgados e doces. Os preços variam de R$ 3 a R$ 8. Vale conhecer o Cesinha (catupiry, tomate e manjericão), que sai por R$ 5.50 e o doce Mila (chocolate, banana e sorvete), por R$ 5.50.
Espaço Aberto – Pratos de R$ 20 podem ser divididos por duas pessoas. As especialidades são o econômico peixe ao molho verde (a base de abacate com ervas), que sai por R$ 9, e os pratos com camarão, que variam de R$ 20 a R$ 25.
Mama na Égua - Este espaçoso e animado restaurante à beira mar ofecere pratos típicos da região, como o peixe inteiro frito, o pargo, (com arroz, feijão, salada e farofa) por R$ 12.00, tamanho médio, e o famoso moqueca de arraia, que sai por R$ 6.00.
Pousada e Restaurante do Paulo - Localizado em frente a bela Lagoa do Paraíso, as especialidades deste restaurante são o peixe no limão (frito com conhaque e ervas aromáticas) por R$ 17.00, e o assado no forno com verduras, que sai por R$ 18.00.
Onde Ficar
Pousada Papagaio - Esta pousada na Rua do Forró é bastante aconchegante. Tem piscina e um pequeno jardim, quartos com frigobar e ar-condicionado. Diária para casal com café da manhã sai por R$ 60,00. tel: (88) 621-1144
Pousada Ibirapuera - Eleita uma das melhores e mais caras pousadas de Jeri, a Ibirapuera fica na Rua São Francisco e oferece quartos duplex com ar-condicionado. A diária de um quarto duplo com café da manhã é R$ 80,00, na alta temporada, e R$ 60, na baixa. tel: (88) 961-5544
Brisa do Mar - Mais distante do centro de Jeri, esta simples pousada e bar fica em Tatajuba, no caminho para o vilarejo. Quartos simples saem por R$ 10,00 a diária.
Pousada das Dunas - Com vista para o mar e para as dunas do pôr-do-sol, esta pousada situada na Rua da Dunas tem quartos com ar-condicionado e frigobar. A diária para quarto duplo com café da manhã na baixa temporada sai por R$ 50,00 e na alta, R$ 70,00.
Como chegar
Jericoacoara fica na costa nordestina brasileira, no estado do Ceará, a 300 kms de Fortaleza e 30 de Gijoca. Pode-se pegar um avião do antigo aeroporto de Fortaleza para Camocim e de lá pegar barcos e um jipe 4x4 para percorrer o litoral em direção a Jeri. É possível também pegar um ônibus na Rodoviária de Fortaleza para Gijoca, e de lá pegar um buggy para Jericoacoara.
Pacotes
CVC – Pacote de quatro noites em Fortaleza e três em Jericoacoara (hotel e pousada), incluído vôo de Fortaleza a Camocim e transporte até Jeri pelo litoral, a partir de R$ 1.038,00 ou cinco vezes R$ 207,60. Este preço vale para maio e não inclui feriados. Jatos da TAM, F-100 e A-319. Tel: 224-4020.
Panexpress – Pacote de quatro noites em Fortaleza e três em Jericoacoara (hotel e pousada), incluindo transporte aéreo. À vista, sai por R$ 1.119,00 ou seis vezes de R$ 187,00. Saídas até o dia 23 de junho (exceto fins de semana e feriados). Vôos da Transbrasil e Varig, entre outros. Tel: (011) 259-8100/3266-6822.
TAM Viagens – Só ofereceu os preços via São Paulo. Até o dia 30 de junho, o pacote completo de três noites em Fortaleza e quatro em Jericoacoara, ou vice-versa, incluindo transporte aéreo (Fortaleza-Camocim), hotel e pousada, sai por R$ 1.363,00 por pessoa (quarto duplo) e R$ 1.663,00 individual (terças, quintas e sábados), e R$ 1.313,00 duplo e R$ 1.613,00 individual nas saídas das segundas-feiras. Tel: (011) 3120-2639/2742/2829.
Correta Turismo (Jericoacoara de avião) – O pacote econômico inclui o bilhete aéreo (Fortaleza/Camocim/Fortaleza), hospedagem com café da manhã em quarto duplo, guia local e tours pelas praias (R$ 434,00 por uma noite) e R$ 645,00 por sete, podendo ser parcelado em três vezes. O pacote completo inclui mais passeios, como tours pelas praias de Tatajuba e Mangue Seco (R$ 452,00 por uma noite) até a R$ 769,00 por sete. Tels: (085) 227-3288/272-3883.
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